
Há algum tempo, tinha vontade de escrever sobre violência doméstica sofrida por mulheres, mas nunca sabia por onde começar.
Recentemente, ao me aprofundar mais no assunto (do ponto de vista acadêmico), percebi que minha dificuldade tinha justificativas óbvias:
- O assunto é complexo, multidimensional e sua causalidade é multifatorial. Qualquer tentativa de descrever UM perfil de agressor, UM perfil de mulher agredida, UM tipo de relação…. corre o perigosíssimo risco de estigmatizar injustamente uma parcela da população, uma vez que a violência doméstica é um fenômeno altamente disseminado na sociedade brasileira, ocorrendo em TODAS as idades, graus de escolaridade, níveis de renda etc.
- O assunto é delicado, pois me toca pessoalmente. Nunca tive a experiência de conviver com homem agressor ou mulher agredida, mas minha reação a notícias sobre violência doméstica sempre mobilizou em mim uma grande raiva em relação ao agressor.
Enfim, se irei escrever sobre esse tema (e sinto que devo fazê-lo), preciso considerar o problema representado pelos dois itens que apresentei logo acima.
A maneira como me ocorreu realizar esse desafio foi separando o tema em partes, de modo a deixar claro seu caráter multifacetado e também preservar minha pessoalidade de um embate potencialmente mais intenso.
Pois bem.
Neste artigo, falo sobre uma característica específica da violência doméstica, presente em muitas relações onde esta violência ocorre.
A saber, falo da natureza cíclica das fases que se sucedem entre a ameaça da agressão, o ato agressivo, e as ações pós-agressão, que tentam atenuar a gravidade do que houve, até a reconciliação. E o reinício do ciclo.
As fases estão representadas na figura abaixo:
O CICLO DA VIOLÊNCIA

Tensão: irritabilidade do homem, demonstrada por olhares, gestos ou pelo timbre da voz. A mulher pode procurar acalmar a situação, renunciando a si mesma e procurando satisfazer os desejos do companheiro.
Agressão: o homem apresenta comportamentos violentos. Nesta fase, a mulher pode sentir tristeza, impotência e raiva (neste último caso, pode buscar forças para denunciar a agressão).
Desculpas: o homem procura anular ou minimizar seu comportamento, arrependido ou não, justificando-o por agentes externos (bebida, problemas do trabalho, ou a própria mulher), e promete que vai mudar.
Reconciliação: se a mulher aceita as desculpas, o homem passa um tempo se mostrando gentil e carinhoso. Nesse momento, a mulher pode acabar desistindo da sua denúncia formal.
Depois de um tempo de calmaria, o ciclo se reinicia. A cada novo início, existe a possibilidade de que a violência fique mais severa. As lesões se intensificam, podendo chegar à morte – feminicídio, assassinato de gênero – o ser morta por ser mulher.
Por outro lado, a tomada de consciência de qualquer um dos atores dessa situação (homem-agressor / mulher-agredida) também pode se dar em qualquer fase do ciclo, ocasião em que a sucessão de fases seria então interrompida, e uma nova forma de relação (ou de vida, mesmo fora daquela relação) pode ser buscada.

Hirigoyen, M. A violência no casal: da coação psicológica à agressão física. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.