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Alcoolismo e Síndrome de Abstinência de Álcool – um esqueleto no armário das festas de fim de ano

A expressão “esqueletos no armário” é usada para indicar que existem segredos constrangedores por trás de situações aparentemente perfeitas. Neste caso, a situação de que tratamos são as festas de fim de ano. De uma maneira não moralista, mas científica, a ideia é abordar um efeito colateral deste período festivo, que atinge algumas pessoas e famílias de modo dramático.

Um dos hábitos frequentes nas festas de fim de ano é o uso de bebidas alcoólicas.

Para a maioria das pessoas, o álcool permite descontrair e relaxar, algo que combina muito bem com o espírito da época.

Para algumas delas, porém, o hábito de beber se apresenta de forma excessiva e contínua, levando a problemas de ordens física, psicológica e social.

Muitas famílias que convivem com essa realidade têm verdadeiro pavor das festividades de dezembro: é nesse momento que o alcoolista manifesta seu transtorno de modo mais grave.

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Como identificar o alcoolista

Segundo o DSM-IV* (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), o critério para identificar a dependência de substâncias é “um padrão de uso disfuncional de uma substância, levando a um comprometimento ou desconforto clinicamente significativo, manifestado por três (ou mais) dos seguintes sintomas, ocorrendo durante qualquer tempo, num período de 12 meses”:

1. Tolerância (necessidade de quantidades maiores da substância para atingir o efeito desejado ou efeito diminuído com o uso contínuo da mesma quantidade da substância);

2. Abstinência (síndrome de abstinência característica da substância ou a mesma substância (ou outra bastante parecida) é usada para aliviar ou evitar sintomas de abstinência);

3. A substância é frequentemente usada em grandes quantidades, ou por período maior do que o intencionado;

4. Um desejo persistente ou esforço sem sucesso de diminuir ou controlar a ingestão da substância;

5. Gastar muito tempo em atividades necessárias para obter a substância, usá-la ou recuperar-se de seus efeitos;

6. Reduzir ou abandonar atividades sociais, recreacionais ou ocupacionais por causa do uso da substância.

7. Uso continuado da substância, apesar do conhecimento de ter um problema físico ou psicológico ou recorrente que tenha sido causado ou exacerbado pela substância.

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O que fazer?

Quando a relação da pessoa com o álcool atinge a situação descrita acima, parar de beber é sempre a melhor solução.

Ocorre que, quando estas pessoas deixam de beber, ou diminuem consideravelmente o consumo, podem apresentar uma série de sintomas de gravidade variável, todos com grande impacto na qualidade de vida, a que se denomina Síndrome de Abstinência Alcoólica (S.A.A.).

Sintomas comuns na S.A.A. são agitação, ansiedade, irritabilidade, tremores, náuseas, vômitos, taquicardia, hipertensão arterial, entre outros. Podem também ocorrer desordens como alucinações, convulsões e o Delirium Tremens (estado de confusão mental que pode levar a alterações de raciocínios e afetos, e à percepções incomuns sobre o corpo, como a sensação de que insetos estão andando sobre a pele).

Os primeiros sintomas podem se manifestar a partir de 6 horas da redução ou abstenção da substância.

O comprometimento do paciente com o álcool pode ser classificado em dois níveis: o leve/moderado e o grave. Do ponto de vista psicológico, incluem-se na primeira categoria pacientes em que o “contato com o profissional de saúde está íntegro; o paciente encontra-se orientado temporoespacialmente; o juízo crítico da realidade está mantido; apresenta uma ansiedade leve; sem relato de episódio de violência auto ou heterodirigida”**.

Por outro lado, são graves os casos daqueles pacientes em que “o contato com o profissional de saúde está prejudicado; o paciente encontra-se desorientado temporoespacialmente; o juízo crítico da realidade está comprometido; apresenta-se com uma ansiedade intensa; refere história de violência auto ou heterodirigida; o pensamento está descontínuo, rápido e de conteúdo desagradável e delirante; observam-se alucinações auditivas, táteis ou visuais”.

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Formas de tratamento

Há várias formas de conduzir o tratamento do paciente alcoolista com S.A.A., conformidade a complexidade do quadro: o tratamento ambulatorial, a internação domiciliar e a internação hospitalar.

Em todos os casos, a equipe de tratamento deve ser multiprofissional, cuidando, especialmente, dos seguintes aspectos da vida do paciente:

– Orientação à família

– Oferecimento de acolhimento e segurança, sem julgamentos

– Orientação da dieta

– Orientação quanto a recebimento de visitas e locomoção do paciente

– Abordagem farmacológica (reposição vitamínica, prescrição de benzodiazepínicos, antiepilépticos etc.)

Manejo clínico

O trabalho do profissional da psicologia costuma se situar no contexto da equipe multidisciplinar. Os psicofármacos, quando são utilizados (citamos os benzodiazepínicos, como o Apraz, e os antiepilépticos, como a Carbamazepina), têm incidência sintomática na redução dos efeitos psicológicos da S.A.A., como agitação, ansiedade ou mesmo convulsões.

Porém, o abandono do álcool é uma decisão complexa para o sujeito, e costuma envolver muitas situações de sua vida:

– Suas relações com a família (que muitas vezes tem seu bem-estar momentâneo condicionado ao fato de o alcoolista ter ou não bebido a cada específico dia);

– Suas relações com amigos (alguns deles possivelmente incentivadores do hábito de beber – sejam eles alcoolistas ou não);

– Suas relações com o espaço social (frequentar os mesmos lugares, manter a rotina, costuma reaproximar do álcool o paciente em tratamento)

– Seus projetos de vida (o alcoolista grave chega a viver apenas em função da bebida; seus objetivos de futuro deixam de existir. É como se a vida fosse um eterno presente, em que cada dia fosse sempre o mesmo, feito para se beber. Quando larga a bebida, o paciente se dá conta de que tem um futuro a sua frente, mas nada planejado/desejado).

Por tudo isso, a presença do profissional da psicologia é fundamental, não apenas durante a vigência da S.A.A., mas ao longo de toda a vida do paciente.

Mesmo com muito tempo de abstinência, é recomendado que o paciente alcoolista se mantenha longe do álcool. A reincidência, mesmo que em dose aparentemente ínfima, pode leva-lo, em pouco tempo, ao estado anterior ao início do tratamento…

Onde peço ajuda?

O CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool tem uma página repleta de informações sobre tratamento do alcoolismo – https://cisa.org.br/index.php/encontre-ajuda

Você também pode procurar o Capes – Centros de Atenção Psicossocial da sua região, dirigidos pelo Ministério da Saúde. Estes equipamentos de saúde estão espalhados por todo Brasil – http://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/saude-mental

Em caso de dúvida ou informação, fale comigo utilizando o formulário de CONTATO

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REFERÊNCIAS:

* American Psychiatric Association [ DSM- IV], 2000.

** LARANJEIRA, R., NICASTRI, S., JERÔNIMO, C., MARQUES, A.C. et al. Consensosobre a Síndrome de Abstinência de Álcool (SAA) e o seu tratamento. Revista Brasileira de Psiquiatria. 2000, 22(2): 62/71.

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