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“Por que hoje em dia as pessoas têm a cabeça fraca?”, perguntou-me o motorista da Uber

Outro dia, eu havia acabado de lecionar, e pedi um carro de aplicativo para ir para casa.

O motorista me perguntou o que eu fazia na Universidade, e respondi que era professor de Psicologia.

“Hoje deve ter muita demanda pra esse curso, né?” – questionou.

Respondi que sim. Ele complementou:

“As pessoas hoje em dia estão com a cabeça muito fraca. Como psicólogo, por que você acha que isso está acontecendo?”

Foi a enésima vez, só no último ano, que ouvi algo desse tipo: hoje em dia, as pessoas estão com a “cabeça fraca”.

Imagino que o comentário se baseie no fato, amplamente noticiado, de que transtornos psíquicos têm hoje uma altíssima prevalência (o mundo contemporâneo é “campeão” de casos de depressão, ansiedade, TOC, síndrome do pânico, insônia etc.).

Na falta de outro fator que possa explicar essa triste singularidade do nosso tempo, recorre-se à hipótese de que o sujeito atual tenha uma espécie de “falha” psíquica, uma fragilidade anormal, que lhe impede de encarar a vida e seus desafios com a força e a coragem de outrora, fazendo-o adoecer.

Respondi ao motorista que tenho a tendência de não acreditar nessa hipótese. Disse que, na minha opinião, o mundo está mais complicado. Viver está mais complicado.

 

Eu estava cansado, e, sinceramente, não queria muito papo. Ainda se fosse sobre outro assunto, mas repetir um tema no qual eu já passara a noite toda envolvido…

Mas fui sincero em minha resposta. De fato, entendo que o mundo atual oferece aos sujeitos desafios nunca experimentados antes.

Por exemplo:

Zygmunt Bauman, importante sociólogo do século XX, compreendia que, do ponto de vista social, liberdade e segurança são valores inversamente proporcionais. Ou seja, quanto mais nos sentimos seguros, menos livres somos; quanto maior nossa liberdade, menos seguros estamos.

O tempo de nossos avós e bisavós priorizava, de modo mais claro, a segurança. A liberdade era, na mesma proporção, menor.

Afastados de muitas escolhas, que hoje nos parecem óbvias (como escolher a própria profissão, a pessoa com quem casar, ter ou não filhos), nossos antepassados estavam isentos de alguns medos, como “Será que vou conseguir me inserir nesse mercado de trabalho? Será que alguém vai me querer? Será que vou me arrepender de deixar para engravidar mais tarde?”.

E vou além:

Hoje, além da maior liberdade, em relação a estes e outros temas importantes, temos a imposição social de “ser feliz”. Não só podemos, mas DEVEMOS escolher (a profissão, o casamento, o estilo de alimentação, o modo de vestir, se teremos ou não filhos…). E, mais que isso, nossas escolhas têm que ser CERTAS, nos levando à tal felicidade.

É então que percebemos a outra face da moeda: uma sociedade mais livre, como a nossa, nos lança à insegurança e à incerteza. E menos certeza implica mais angústia.

Por essas e outras, sim, acredito que hoje a vida está mais complicada.

 

Mas é possível entender o que disse o motorista de outra maneira, e talvez ele também estivesse pensando nisso quando fez sua pergunta.

Existe uma impressão geral de que as pessoas antigamente eram mais “cascudas”, menos suscetíveis a dores psicológicas. Que a geração de hoje – para usar um termo que faz sucesso nas redes sociais – é muito “mimimi’.

Acho fácil compreender o que acontece.

Realmente, as pessoas de ontem tinham mais “casca”, ou seja, estavam mais distantes de suas emoções, desejos (aquilo que nos coloca na condição de seres faltantes, e, nesse sentido, nos fragiliza).

Ora, se a sociedade não lhes dava tantas oportunidades de escolher, em nome de uma maior segurança, era até melhor não entrar em contato com essa dimensão desejante do próprio ser. De nada adiantaria, ou pior, só faria sofrer.

Pessoas “cascudas” eram menos suscetíveis ao sofrimento psicológico, mas também eram menos afetivas, menos carinhosas, desenvolviam menos intimidade com os outros etc.

Mais uma vez, a resistência ao sofrimento se dava em troca de um distanciamento em relação à própria subjetividade e a muitas possibilidades de relações afetivas significativas com os outros.

 

Realmente, não se pode ter tudo…

 

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