Quando nascemos, e durante um bom tempo, tudo é afeto.
Como assim?

Imagine uma calçada com cimento fresco.
Se alguém, por descuido ou propositalmente, pisar ali, vai deixar uma marca.
Lembro que, quando criança, ver cimento fresco me trazia a tentação de pegar um graveto e escrever meu nome. Depois de seco, estava eu inscrito na posteridade.
O cimento úmido é maleável. Quando submetido a forças externas, ele muda de forma, ou seja, é afetado por essa ação. Digamos então que o cimento fresco não é indiferente à atuação de forças externas; ao contrário, ele é afetável.
Olhemos agora para nós mesmos. O modo humano de ser no mundo também é afetável.
Você está largado no sofá, assistindo ao seu programa de TV predileto, na maior tranquilidade. De repente, a transmissão é interrompida e começa a vinheta do “Plantão do Jornal Nacional” (e sua indefectível trilha sonora, pam pam pam pam pam…).
A paz que você sentia se esvai.
O que terá acontecido? Será algo grave?
Ansiedade e medo fazem parte agora do que você é.
Um evento externo lhe afetou, mudou sua “forma” (não fisicamente, mas existencialmente falando).
A dimensão afetiva humana diz respeito a esta nossa condição: o mundo não nos é indiferente; ao contrário, coisas que acontecem em nossos arredores existenciais nos tocam e, ao tocar, nos modificam.
Para nos tocar, algo precisa estar próximo de nós, mas não necessariamente no sentido espacial / geográfico. Eu combino de encontrar um amigo às 15h, e até as 16h ele não chega, nem responde às minhas mensagens. O amigo, espacialmente distante, me toca. Eu, que estava alegre pelo encontro, agora estou preocupado.
O filósofo Eugène Gendlin (1926-2017), analisando a obra de Martin Heidegger, afirma essa afetabilidade como condição central de nossa humanidade, e origem de nossa capacidade de compreender o mundo.
Isso ocorre porque, na medida em que é afetado, o sujeito é disposto com determinado “humor”. No exemplo acima, o atraso do amigo me deixa preocupado. O estar preocupado é um afeto que me revela algo sobre aquele momento: algo ruim pode ter acontecido ao meu amigo.
Nem tudo que nos afeta vem de fora: fome é afeto. Está na dimensão afetiva tudo o que toca, influencia, torna o sujeito diferente de si mesmo.
O afeto me apresenta o mundo de forma imediata. Antes de qualquer racionalização sobre a situação, é na dimensão afetiva que a situação se mostra.
Nesse sentido, podemos dizer que a racionalização (pensamento) é sempre uma operação posterior aos afetos. A filosofia e a ciência, as teses, hipóteses e todas as construções teóricas, não começam pelo pensamento, mas pelo afeto.
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Um comentário em “O QUE SÃO E COMO SURGEM OS AFETOS?”