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BOLO DE CHOCOLATE PODE DAR “GATILHO”? O QUE É ISSO?

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Há algumas semanas, um texto aqui do blog foi postado em um grupo sobre transtornos psicológicos, no Facebook.

Em meio a diversas reações positivas (cliques, curtidas e comentários), duas pessoas se manifestaram de modo agressivo, exigindo que o post fosse apagado.

Segundo elas, a imagem destacada na postagem “dava gatilho”.

O texto em questão fala sobre “tripofobia”, uma reação de nojo e aflição despertada por imagens de buracos agrupados, principalmente quando se referem a objetos orgânicos (você pode acessar esse texto AQUI, por sua conta e risco 😉).

À época, tentei explicar a elas que alguma reação de repulsa era esperada em boa parte dos leitores, uma vez que era justamente sobre isso que o post falava, mas que se, no caso delas, esse sintoma fosse demasiado, aceitassem minhas desculpas e apenas desprezassem aquele conteúdo.

Não bastou. Ambas retornaram, vociferando reclamações. Era imperativo que eu apagasse a postagem, pois estava fazendo “mal” a elas. Ameaçaram denúncias à administração do grupo e ao próprio Facebook.

Depois desse “causo”, parei para pensar um pouco sobre essa questão dos gatilhos, e esse texto é o resultado dessa reflexão.

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Cerca de 100  anos atrás, Freud e Jung já estudaram a relação entre significantes (conceito proposto mais tarde por Lacan – uma palavra, uma imagem, uma cena) e o despertar de reações psicopatológicas, por meio de associações sucessivas entre este significante e outros, com crescente relevância psíquica para o sujeito, em direção às origens do “complexo”.

Gatilho é o nome dado à peça de arma de fogo que, uma vez acionada, inicia uma sequência irrefreável de ações que culmina com o disparo do projétil.

Por analogia, o “gatilho psíquico (ou mental)” daria início a uma sequência de significações que faria emergir sintomas de um transtorno psicopatológico, como a histeria (diferentemente da forma como a contemporaneidade se apropriou do termo – como sinônimo de reação exagerada e fingimento, a histeria é uma psicopatologia grave, cuja “crise” implica sinais psicomotores graves)*.

Posteriormente, ao longo do século XX, vê-se um alargamento da definição do conceito de gatilho psíquico. No marketing, por exemplo, gatilhos são significantes que disparam ou favorecem um comportamento de compra.

Hoje, o uso da palavra gatilho é ainda mais amplo, e boa parte dessa realidade pode ser constatada nas redes sociais.

De modo genérico, podemos dizer que gatilho atualmente é qualquer coisa que desperta no sujeito uma reação que ele não gosta – medo, nojo, aflição etc.

Por que isso pode ser um problema?

Dois motivos:

1. A grande abrangência do significado levou a uma banalização do uso. Hoje, se um profissional da saúde mental falar em gatilho psíquico, no contexto de uma manifestação psicopatológica grave, pode ter sua intenção mal compreendida, na medida em que o interlocutor pode entender como algo menos importante do que se deseja comunicar;

2. Ao fornecer um nome “técnico” a significantes que provocam reações desagradáveis, o senso comum acabou legitimando uma militância em torno da não utilização destes supostos gatilhos (vide o exemplo com que iniciei o texto). Essa postura faz com que aquela situação não seja acolhida como possibilidade de reflexão e busca de crescimento pessoal, mas apenas como algo a ser evitado.  

Entendo que, quando um termo sai de um contexto técnico específico, e vai passear pelo senso comum, dificilmente volta. Seu uso comunitário e as alterações de significado são inevitáveis e irreversíveis.

Que possamos meditar sobre a situação, retirando algum ensinamento ou regra de uso. Ao rolar o feed de uma rede social e deparar-se com uma foto de um belo bolo de chocolate, saibamos que comentar “nossa, me deu vontade” é tão compreensível e agradável quanto “nossa, me deu gatilho”…

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* Dunker, C. Droga, comercial ou pornô na web dão “gatilho”?, Blog do Dunker, UOL, 2020, em https://blogdodunker.blogosfera.uol.com.br/2020/07/31/droga-comercial-ou-porno-na-web-dao-gatilho-saiba-o-que-isso-quer-dizer/.


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Psicólogo Msc. Rodrigo Giannangelo
CRP 06/56201-2

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