NEGACIONISMO

No começo de março, lembro de relativizar algumas notícias que à época me pareciam catastróficas. Fiz isso com base em poucas informações que tinha, ainda incertas, que se opunham ingenuamente ao peso da realidade de estar em meio a uma pandemia.
Era um vírus até então desconhecido, que causava uma doença muito parecida com qualquer gripe, fatal apenas para pessoas que já tinham a saúde muito frágil. Toda agitação em torno do assunto haveria de ser exagero – da mídia, em especial.
Posso compreender a negação porque passei por ela – em um primeiro momento, eu também não quis acreditar.
Mas, há pelo menos 8 meses, isso não é mais aceitável.
1,7 milhões de pessoas desapareceram da Terra levadas por uma doença que 12 meses atrás não existia. Milhares continuam morrendo todos os dias.
Negar, hoje, significa rejeitar informações básicas, apoiadas por consenso social e científico. No cerne do negacionismo estão em ação crenças absolutistas, mecanismos de defesa e muito, muito egoísmo. Em sua imaturidade, é solo fértil para a aceitação e o compartilhamento das famosas fake news, que só agravam o problem.
Independentemente do que acontecerá com a disseminação das vacinas e com a busca por medicamentos mais eficazes, não sairei de 2020 mais impressionado com a capacidade da inteligência humana, porque sempre acreditei nela.
Mas saio decepcionado com atitudes do espírito humano, porque quando mais precisamos de solidariedade, ela falhou.
Não importa qual a porcentagem de pessoas que entendeu e levou adiante os cuidados consigo e com os outros – não fizemos mais que nossa obrigação.
O que chama a atenção é o número absurdo de pessoas que se mostraram incapazes de alterar suas rotinas para preservar as vidas de terceiros. Que, ao invés de compreender a excentricidade do momento histórico, e a necessidade da proteção mútua e da empatia, foram às ruas e às redes vociferar: “reabram o comércio”. Que se negaram a reduzir sua circulação ao essencial. Que desdenharam da ciência e defenderam com fervor teorias conspiratórias tolas.

De pessoas “comuns” a grandes celebridades, salta aos olhos a necessidade compulsiva e irresponsável de desafiar, uma afirmação egocêntrica de si, um prazer de exibir a impunidade, uma forma perversa e decadente de se sentir potente.
Talvez a missão mais digna de 2020 tenha sido escancarar essas coisas. Mostrar que sofrimentos e desigualdades não incomodam a todos, ao menos não da mesma forma.
Não estava tudo bem. Nunca esteve.
O que faremos com essas descobertas? Varrer de volta para debaixo do tapete?
Tentar fugir, ou fingir que não aconteceu?
Acho que devemos, enquanto civilização, elaborar 2020. Uma elaboração no sentido psicológico, que significa reconhecer, se apropriar. Pegar algo que está rondando à margem da existência e integrar ao ‘eu’.
Refletir sobre o que está acontecendo, sofrer o que precisa ser sofrido e expressar o que precisa ser expresso. Aquietar, contemplar, escutar, observar e, na melhor das hipóteses, se (re)encontrar.

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