AUTOMUTILAÇÃO:
Beliscar-se, morder-se, apertar ou reabrir feridas, arrancar os cabelos, queimar-se, furar-se com objetos pontiagudos, bater-se contra a parede, esmurrar superfícies duras…

A adolescência é uma fase complicada da vida psíquica humana.
Em nossa sociedade, esse período significa uma transição entre a infância e a vida adulta.
Enquanto somos crianças, não temos um “ser” propriamente independente de nossos pais e cuidadores. Somos sempre “filho(a) de Fulano(a)”, “neto(a) de Beltrano(a)”, e assim por diante. Mesmo quando começamos a demonstrar alguma característica mais marcante (como teimosia, por exemplo), não demora a haver alguém que diga que “puxamos” à mãe, ao tio, ao avô…
A VIDA ADULTA
A vida do sujeito adulto, por outro lado, é bastante diferente.
Como adultos, somos cobrados e responsabilizados individualmente por nossos atos. Precisamos “ser alguém”, de forma independente e autônoma em relação aos que vieram antes de nós.
Assim, é durante a adolescência que cada um de nós começa a responder a uma pergunta crucial: afinal, quem sou eu?
Lidar com essa pergunta não costuma ser uma tarefa simples.
Quando olhamos para dentro de nós, encontramos muita coisa: descobrimos que damos valor a algumas coisas, e não tanto a outras, percebemos que temos uma infinidade de desejos, encontramos uma porção de normas e noções de “certo” e “errado” etc.
E nem sempre sabemos de onde essas coisas vieram (Aliás, nem sempre concordamos com elas, ainda que as vejamos em nós!).
A vivência da confusão psíquica é uma constante na vida de muitos adolescentes.
Para alguns, essa confusão pode gerar alguma crise, mas passa, sem maiores intercorrências.
Para outros, no entanto, a confusão se torna um verdadeiro caos, tão grande que o adolescente simplesmente não é capaz, com os recursos pessoais de que dispõe naquele momento, de suportar.
As primeiras agressões ao próprio corpo costumam ocorrer depois de vivências de emoções muito fortes. É como se o adolescente encontrasse na dor física uma maneira de controlar ou aliviar suas emoções.
O comportamento de automutilação costuma surpreender e provocar as pessoas que convivem com o adolescente. É difícil para as pessoas ao redor compreender qual o sentido de infligir dor a si mesmo. Por vezes, como ocorre com outros sintomas psicológicos, familiares e amigos acabam por acreditar que o objetivo é apenas “chamar atenção”.
A realidade, porém, é bastante diferente. Quem se automutila se encontra numa situação de dor psicológica extrema, convivendo com emoções desorganizadas e insuportáveis.
É como se a dor física retirasse a atenção do caos psicológico, permitindo ao sujeito um momento, ainda que fugaz, de esquecimento de suas mazelas. A dor física também pode diminuir a angústia por tornar mais “concreta” (trazendo para o corpo) a dor interna.

MANEJO CLÍNICO DA AUTOMUTILAÇÃO

É comum encontrar, por trás dos rituais de automutilação, adolescentes com sentimentos intensos de raiva, baixa autoestima e desesperança.
Nem sempre é fácil identificar o comportamento, uma vez que a automutilação é, na maior parte das vezes, vivida longe de tudo e de todos, em espaços como o quarto ou o banheiro. As lesões provocadas costumam gerar vergonha e desconforto, e o adolescente tende a se esforçar em ocultá-las, por meio de roupas e outros apetrechos do vestuário.
Quando a automutilação é detectada, é importante que os pais/cuidadores sejam compreensivos. Culpabilizar o adolescente ou tentar apenas reprimir o comportamento, mediante castigos ou coisas do tipo, tende a piorar a situação.
Nessa hora, o que ajuda é demonstrar respeito pelo sofrimento do jovem e mostrar que uma intervenção psicológica adequada pode ajudá-lo a superar esse problema.
Do ponto de vista do diagnóstico clínico, automutilar-se pode fazer parte da sintomatologia de certos transtornos, como o borderline, a amnésia dissociativa e o transtorno dissociativo de identidade, mas também pode se configurar isoladamente como transtorno (“Transtorno de escoriação” [Skin-picking] – DSM-5).
Pesquisa extensiva sobre o tema, coordenada nos anos 1980 por Armando Favazza (Universidade de Missouri, Columbia), sugere que algo torno de dois milhões de americanos praticam automutilação todos os anos.

CRP 06/56201-2
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