Alguém me conta memórias de quando tinha cerca de quatro anos:
“Estou debaixo da varanda da nossa antiga casa de tijolos vermelhos, uma cerca à esquerda, cheia de rosas. Na minha frente, minha avó está agachada com as mãos apoiadas nos joelhos, sorrindo e encorajando-me a caminhar até ela. Ela está usando um cardigan vermelho e óculos, seu cabelo é de cor clara e cacheado. As linhas em seu rosto são vívidas, e enrugam em torno de seus olhos enquanto ela sorri para mim”.

Esse belo e amoroso relato seria uma das primeiras e mais afetuosas memórias da infância desta mulher, não fosse por um detalhe:
A memória mentiu para ela.
Certo dia, depois da morte da avó, a mulher estava folheando fotos guardadas em uma caixa no fundo do armário. De repente, lá estava a cena no papel brilhante: a mesma expressão alegre da avó, o cabelo encaracolado, o cardigan vermelho, as rugas, o belo sorriso.
Sua memória lhe dizia ter vivido aquele momento, mas de fato era só uma lembrança dessa foto.
Situações como essa podem fazer com que nos sintamos traídos por nossa memória, mas o fato é assustadoramente comum. Cerca de 40% de nós temos uma primeira memória fictícia, diz estudo recente do ‘Center for Memory and Law at City’, da Universidade de Londres.

MEMÓRIAS EM PESQUISA
Os cientistas pediram a 6.641 pessoas que descrevessem sua primeira memória e dissessem que idade tinham na época. Dessas primeiras memórias, descobriram que 2.487 eram improváveis, porque teriam se passado antes dos dois anos de idade. Em 14% dos casos, o evento teria ocorrido antes do primeiro aniversário — alguns chegaram a dizer que se lembravam do próprio nascimento.
É cientificamente aceito que memórias autobiográficas só são possíveis após os três anos de idade. Antes disso, os cérebros dos bebês são fisiologicamente incapazes de formar e armazenar memórias episódicas, porque as partes do cérebro envolvidas nessas tarefas estão subdesenvolvidas. Na verdade, alguns cientistas acreditam que podemos recordar eventos autobiográficos apenas a partir de cinco ou seis anos de idade, e qualquer coisa que seja recordada antes disso seria o que se chama de “fragmento”.
Apesar disso, muitos entrevistados estavam convencidos de que poderiam se lembrar de olhar para fora de seu carrinho, ter sua fralda trocada ou dar seus primeiros passos.
Ora, por que tantos de nós se lembram do que é impossível?

CONSTRUÇÃO DE MEMÓRIAS
É mais provável que criemos memórias fictícias dos primórdios da vida baseados em histórias que ouvimos e fotos que vimos.
Podemos usar como exemplo alguém que lembrou estar em seu carrinho. Esse tipo de memória pode ter resultado de alguém dizendo: ‘Quando bebê, você tinha um grande carrinho azul’, e a pessoa então imaginou como teria sido. Com o tempo, esses fragmentos se tornam uma memória, e muitas vezes a pessoa vai preenchendo a cena com outros itens, como brinquedos, roupas e parentes.
Memórias ficcionais parecem tão reais quanto qualquer outra. Exames cerebrais mostraram que a atividade neural envolvida nas falsas memórias em adultos é incrivelmente semelhante à atividade de uma memória real, e envolve as mesmas regiões do cérebro.
Isso significa que podemos questionar se temos alguma “memória real” em que possamos realmente confiar, porque até certo ponto todas as nossas memórias são reconstruções.

MEMÓRIAS FICTÍCIAS
Em vez de reviver um acontecimento, o reconstruímos com base em representações armazenadas no cérebro. O que parece acontecer é que quando você reativa essas representações, elas se tornam maleáveis e podem ser modificadas. Isso permite que você atualize suas representações de memória e as conecte a eventos novos e semelhantes. Também significa que suas memórias mudam com o tempo.
Não sei se a lembrança que você tem da sua avó é precisa ou não, mas pode estar lhe fazendo algum bem. Quando você tem memórias positivas sobre sua primeira infância, toda sua perspectiva de vida se torna mais positiva, e você é mais capaz de lidar com seus desafios.
Memórias fictícias também podem servir a um propósito evolutivo, permitindo-nos tomar melhores decisões sobre o futuro. Eventos semelhantes ocorridos no passado nos permitem fazer uma boa previsão do que acontecerá a seguir. Porém, como nenhuma experiência é idêntica a outra, a reprodução literal é de pouca ajuda. É mais eficiente lembrar a essência do que aconteceu, e se algo diferente acontecer desta vez, atualizar a representação semelhante com as novas informações.
Assim, nossas memórias mudam com o tempo e são atualizadas à medida que incorporamos novos conhecimentos sobre como o mundo funciona. As memórias fictícias são um subproduto desse processo de atualização. Aprendemos algo sobre nossa infância, ou sobre a infância em geral, e depois confundimos essa informação com uma memória episódica real.

QUESTIONAR OU NÃO O PRÓPRIO PASSADO?
Esse entendimento poderia nos levar a questionar nosso próprio passado?
E, se for verdade, como dizer se uma memória é fictícia?
As pistas estão na complexidade das memórias.
Em muitos casos, as primeiras memórias são conceitualmente complexas demais para serem possíveis. Se você pedisse a uma criança de dois anos para lembrar o que aconteceu meses atrás, ela não diria que estava brincando com uma bola no berço enquanto sua mãe entrava e ria. Essa é uma pista que sugere que houve modificação.

Autores de neurociência cognitiva acreditam que memórias autobiográficas são dependentes da linguagem. O córtex pré-frontal anterior – uma área do cérebro que fica logo atrás da testa – é fundamental para detectar se uma memória é verdadeira ou falsa, com base na qualidade de uma memória. Aquelas ricas em detalhes sensoriais são mais propensas a serem reais.
Você também pode procurar uma foto ou perguntar aos seus pais se eles já lhe contaram aquilo que está em sua memória, mas isso provavelmente ainda não lhe traria absoluta certeza.
Então, a questão é saber se você gostaria mesmo de saber se um momento querido é verdadeiro ou falso; alguns participantes do estudo citado anteriormente ficaram muito bravos quando lhes foi sugerido que uma memória preciosa era fictícia – alguns simplesmente se recusaram a acreditar.
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