Palavras-chave: O que a ansiedade pode causar no seu corpo; ansiedade
Por Psicólogo Rodrigo Giannangelo | Publicado em 14 de novembro de 2021

A ansiedade está em seu corpo, não em sua mente
O ano é 50.000 a.C. Você é um Neandertal passeando pela savana africana.
De repente, num arbusto próximo, você ouve o que parece o rugido de um tigre. Em uma fração de segundo, todo o seu corpo começa a reagir. Seu pulso acelera, sua respiração fica rápida e superficial, suas pupilas se dilatam, adrenalina é despejada em sua corrente sanguínea.
Tudo o que acontece em seu corpo o prepara para sobreviver a este encontro com um tigre. Mas há um pequeno problema.
Não era um tigre. Era uma pequena doninha pré-histórica.
Seu corpo está preparado para lutar ou fugir… mas não há perigo.
É isso que a ansiedade pode causar no seu corpo.
Agora substitua o tigre/doninha no arbusto por mídias sociais, trânsito, Covid-19, contas, falta de dinheiro, escola dos filhos, estresse no trabalho, problemas familiares, e você vai entender por que a ansiedade é a doença mental mais comum no Brasil, afetando quase 19 milhões de pessoas (ONU, 2019). Somos basicamente neandertais assustados, com o modo “lutar ou fugir” ativado 24 horas por dia.

A ansiedade é um impulso físico que diz: ‘Eu não estou seguro’. É um mecanismo automático, muito rápido e inconsciente.
Então, o que a ansiedade pode causar no seu corpo?
Cérebro de sobrevivência vs. cérebro pensante
Temos um ‘cérebro pensante’, o neocórtex, responsável pela tomada de decisão, raciocínio, ética, memória consciente, e um ‘cérebro de sobrevivência’ – sistema límbico, tronco cerebral e cerebelo – que cuida de outras questões, como emoções, memória inconsciente e estresse.
Uma das funções mais importantes do cérebro de sobrevivência é a chamada neurocepção, um processo inconsciente que mapeia os ambientes interno e externo à procura de perigo. Nosso sistema nervoso capta essas informações, não em um nível cognitivo, mas em um nível neurobiológico.

Quando algum perigo é detectado por esse sistema, o cérebro de sobrevivência envia uma mensagem instantânea de excitação de estresse para o resto do corpo, ativando o sistema nervoso simpático, resultando na liberação de hormônios específicos, que levam a certas sensações físicas relacionadas ao coração, à respiração e à digestão.
Nesse processo, o cérebro pensante é o último a perceber que há algo errado.
O cérebro pensante não decide se estamos estressados, se nos sentimos ameaçados ou desafiados. O estresse e as emoções pertencem ao cérebro de sobrevivência.
Logo, se você quiser compreender sua ansiedade, seu corpo é um caminho muito mais confiável que seus pensamentos.
O que a ansiedade pode causar no seu corpo vs. Terapia pela fala
Ao contrário de nossos ancestrais pré-históricos, que podiam lidar com a ansiedade correndo, gritando, pulando, e deixando o cortisol trabalhar, os ansiosos atuais se voltam para seu “amigo de todas as horas” – o cérebro pensante.
O problema é que quando se trata de regular nosso sistema nervoso após uma resposta ao estresse, o cérebro pensante é uma ferramenta ruim. Isso porque, mesmo depois de tomar conhecimento da resposta física, muitas vezes não sabemos o que a desencadeou.
Ou seja, a recuperação do estresse e da ansiedade é um trabalho do cérebro de sobrevivência.
Vivemos em uma cultura que supervaloriza o cérebro pensante, o que nos torna mais aptos a lidar com problemas que requerem razão e lógica e menos equipados para lidar com problemas onde a cognição não cabe.
Reagir no modo “lutar ou fugir” – como se houvesse um tigre à espreita – por estar atrasado para uma reunião pode parecer uma reação exagerada, mas sentado no carro, no trânsito, você está fisiologicamente experimentando exatamente mesmo.
Usamos nosso cérebro pensante para tentar decidir se aquele problema é importante o bastante para estar ansioso, e então tentamos forçar nosso sistema nervoso a cumprir a decisão. Mas nossa consciência está desconectada do nosso corpo nesses momentos.

O cérebro pensante decide que não há motivo para se sentir ansioso, então você diz a si mesmo que está tudo bem, enquanto ainda sente os sintomas físicos da ansiedade por todo o corpo. Pior ainda, seu cérebro pensante pode começar a criticá-lo por ainda estar ansioso mesmo depois de lhe dizer que está tudo bem.
Na terapia, muitos pacientes analisam as razões pelas quais estão ansiosos e percebem que isso não ajuda muito a aliviar a ansiedade. Quando desconsideramos nosso corpo e seus sinais porque estamos envolvidos nas histórias do nosso cérebro pensante, o cérebro de sobrevivência percebe isso como ainda mais ameaçador. Vai intensificar sua mensagem até que ela seja ouvida. E isso cria um ciclo vicioso.
Veja, por exemplo, o que ocorre na TCC – Terapia Cognitiva Comportamental. A ideia é ajudar o paciente a se conscientizar dos pensamentos inadequados ou negativos para que possa ver as situações desafiadoras de forma mais clara e realista, e responder a elas de forma mais eficaz.
Parece ótimo, certo?
Esse tipo de análise pode ser profundamente útil ao lidar com questões familiares ou profissionais, mas, quando se trata de ansiedade, que não ocorre em seu cérebro pensante, ela coloca o foco no “lugar errado”, ou seja, no pensamento – “Eu pensei que havia um tigre!” – e não na resposta física que precedeu e causou o pensamento – “meu coração está acelerado, estou cheio de adrenalina e preciso de ferramentas para me acalmar”.
Não queremos sentir o desconforto da ansiedade em nossos corpos. Em vez disso, tentamos atribuir o desconforto ao pensamento. Mas o pensamento não causou a ansiedade, e modificá-lo não aliviará.
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Uma solução ‘Bottom-Up’ para a ansiedade
Da compreensão exposta até aqui, fica claro que uma terapia realmente eficaz contra a ansiedade deve oferecer uma abordagem que foque e priorize o corpo.
O avanço das neurociências, as pesquisas sobre atenção plena (mindfulness) e sobre novas conexões mente-corpo estão levando o enfoque psicológico a entender o cérebro e o corpo como uma unidade coesa.
Parte do desafio, de acordo com Pat Ogden, PhD, criador da Psicoterapia Sensório-motor, é que você precisa fechar o loop que foi iniciado quando seu corpo primeiro entrou em uma resposta de estresse. Ogden usa o exemplo de um cliente que é negro e, frequentemente, parado pela polícia sem motivo. Quando isso aconteceu, o homem compreensivelmente sentiu raiva e tensão por todo o corpo: uma típica resposta “lutar ou fugir”. Como parte do trabalho terapêutico, Ogden o ajudou a identificar e agir a dessensibilização física que seu corpo precisava para retornar a um estado normal, neste caso começando por realizar movimentos agressivos e defensivos dentro da segurança de uma sessão de terapia. A intenção é permitir que o impulso se realize, em atenção plena, para que o cérebro possa integrá-lo, e não o mantenha paralisado no corpo.
A terapia deve considerar que a ansiedade está frequentemente relacionada a uma reação ligada a uma memória inconsciente, e não insistir em fixá-la em uma experiência atual ou pensamento.
Muitos de nós convivemos quase diariamente com situações estressantes. Com o tempo, aprendemos a ligar o cérebro de sobrevivência, mas raramente sabemos como desligá-lo.
Quando seu corpo tem uma resposta ao estresse, a primeira coisa é se conscientizar de objetos próximos – coisas que você pode ver e ouvir – que podem ajudar o cérebro de sobrevivência a se sentir seguro. Uma maneira de fazer isso é focar a atenção para os pontos de contato do nosso corpo com o ambiente. Por exemplo, o toque dos pés no chão ou das costas na cadeira. Assim que o cérebro de sobrevivência percebe o aterramento e a segurança, inicia automaticamente o processo de recuperação.
Obviamente, quando você está em uma crise severa de ansiedade, tentar respirar profundamente ou estar atento ao corpo pode parecer quase impossível. Nessas situações, você precisa tirar a adrenalina e o cortisol do seu sistema de outra forma. Pular corda, correr, subir e descer escadas. Após 10 minutos, tente um exercício de respiração ou atenção novamente.
Apenas depois que seu corpo está regulado e o cérebro de sobrevivência se sente seguro, então é possível trabalhar no nível dos pensamentos. Caso contrário, nossa resposta cognitiva continuará influenciada pelo estresse / ansiedade.
Por isso é tão importante entender o que a ansiedade pode causar no seu corpo.
RECADO PARA VOCÊ
A pandemia tem afetado o bem-estar de muita gente.
Ansiedade, estresse, medo e pessimismo estão entre os incômodos mais comuns.
Estudos preveem que esses sintomas podem trazer consequências negativas até muito tempo depois que a pandemia terminar.
Portanto, se você não estiver se sentindo bem, procure apoio psicológico.
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3 comentários em “Ansiedade: somos neandertais assustados, prontos para lutar ou fugir”