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“Vício em Pornografia”: o que isso revela sobre sua sexualidade

Palavras-chave: vício em pornografia; sexualidade; comportamento sexual; barbara smaniotto

Por Psicólogo Rodrigo Giannangelo | Publicado em 02 de julho de 2022


Não há consenso na comunidade científica se o consumo excessivo de pornografia pode ser considerado um vício em sentido estrito, ou seja, da mesma forma, por exemplo, que o abuso de substâncias.

Ainda assim, o termo “vício em pornografia” começou a aparecer na mídia com alguma frequência, em reportagens e artigos sobre o tema. Por isso, tem crescido o número de clientes que procuram o consultório de psicologia descrevendo a si mesmos como “viciados em pornografia”.

Em artigo publicado recentemente no Archives of Sexual Behavior, a psicóloga francesa Barbara Smaniotto apresenta um estudo de caso. Trata-se de um homem que a procurou em busca de ajuda com seu vício em pornografia. Nesse estudo, a Dra. Smaniotto destaca questões muito interessantes sobre o assunto, e descreve a abordagem terapêutica que ajudou o paciente a recuperar o controle de sua vida.

vício em pornografia

Anatomia de um Vício em Pornografia

O cliente é um francês de 34 anos, a quem ela se refere como “Kevin”, que se relaciona com uma mulher há dez anos – sua primeira e única parceira sexual até o momento. O casal não tem filho. Kevin é profissionalmente bem-sucedido e mantém relação cordial com seus colegas de trabalho, mas não tem amigos próximos. Em vez disso, sua vida social está baseada nos amigos de sua parceira.

Kevin alegou ter “obsessão por pornografia” desde os 15 anos, dizendo que passava a maior parte do tempo livre sozinho assistindo pornô e se masturbando. Ou seja, ele não sentia vontade de consumir pornografia quando estava ocupado trabalhando ou com sua parceira, mas apenas quando estava sozinho.

O uso de pornografia parecia não ter impacto negativo em sua vida profissional ou social, mas ele sentia vergonha e escondia o fato de sua parceira. Porém, certo dia, ela o flagrou se masturbando diante de conteúdo pornográfico. A partir de então, ele admitiu seu “vício” e voluntariamente procurou ajuda. Kevin temia que sua esposa o deixasse por causa disso.

Na terapia, Kevin revelou que tinha atitudes muito conservadoras sobre a sexualidade, apreendidas durante a infância. Por exemplo, durante o ensino médio, ele criticava duramente os amigos que se gabavam de encontros sexuais casuais. Ele mesmo só teve seu primeiro encontro sexual (com a atual parceira) quando tinha 24 anos. A seus olhos, seu casamento era uma relação “normal”, e seu código moral rigoroso o levava a se sentir culpado se olhasse para outra mulher.

Kevin acreditava que estava doente, pois pessoas saudáveis não seriam obcecadas por cenas de sexo como ele. Depois que começou a terapia, parou de assistir pornografia, mas também evitava fazer sexo com sua parceira, por medo de que isso lhe causasse uma recaída.

Vício em pornografia e incongruência moral

Este caso ilustra de forma clara os problemas envolvidos no diagnóstico de um “vício em pornografia”.

Em primeiro lugar, é preciso estabelecer que um vício é caracterizado pela presença de alguns elementos comuns:

1. Desejos e pensamentos intrusivos (que invadem a consciência sem que a pessoa consiga evitar);

2. Sintomas de tolerância (a necessidade de consumir uma quantidade cada vez maior para obter a mesma satisfação);

3. Sintomas de abstinência (efeitos adversos que ocorrem na retirada do objeto de vício).

Se analisarmos a situação de Kevin a partir desses elementos, temos:

– Ele desejava assistir pornô sempre que estava sozinho, mas nunca quando estava no trabalho ou com sua parceira (1);

– Seu uso de pornografia ao longo do tempo não aumentou (2);

– No início da terapia, quando parou de consumir pornografia, não teve qualquer sintoma de abstinência (3).

Assim, é difícil justificar o termo “vício” para designar o que se passava com Kevin. Em vez disso, a pornografia parecia ser:

– Uma maneira prazerosa de passar o tempo sozinho;

– Uma forma de lidar com questões sexuais não resolvidas.

Vício em pornografia e Sofrimento psíquico

Como Smaniotto aponta, um vício percebido pode não ser realmente um vício. No entanto, essa distinção não altera o fato de que existe um sofrimento psíquico. Nesse caso, o objetivo da psicoterapia deve ser identificar a fonte desse sofrimento e ajudar o cliente a superá-la.

Em geral, os clientes que procuram ajuda para o vício em pornografia normalmente sentem vergonha e culpa. Ou seja, acreditam que o uso de pornografia é moralmente condenável. Além disso, esse uso costuma ir contra suas crenças e seus valores sobre o sexo.

Essa descoberta sugere que o que leva ao sofrimento psíquico não é o uso de pornografia em si, mas o pensamento moral do sujeito sobre a sexualidade. Então, o objetivo da psicoterapia deve ser acompanhar os clientes na resolução desse descompasso entre seus comportamentos sexuais e suas crenças morais.

Patologizando o Vício em Pornografia

O conceito de “vício em pornografia” é atraente para o público em geral, pois oferece uma possibilidade de conciliar o consumo de pornografia com crenças morais restritivas.

A conciliação ocorre mais ou menos assim:

“Eu acredito que o sexo só é admitido dentro de uma relação duradoura, de compromisso. Logo, outras condutas sexuais, como sexo casual, consumo de pornografia ou atração sexual por pessoas além da minha parceira, são moralmente inadequadas. Como sou uma pessoa moralmente correta, os desejos que me levam à pornografia só podem ser causados por uma patologia – o vício, um transtorno psicológico. Com ajuda, posso superar esse transtorno”.

Em outras palavras, ao patologizar o consumo da pornografia, as pessoas não precisam aceitar a responsabilidade por seu comportamento, o que as ajuda a acreditar que suas supostas transgressões são perdoáveis.

Assim, o objetivo principal do tratamento para o “vício percebido” em pornografia não é ajudar os clientes a deixar de consumir material pornográfico. Em vez disso, é fazê-los perceber a naturalidade de seus impulsos sexuais, bem como a possibilidade de controle que têm sobre eles.


Importante lembrar

PS1: Existem questões sociais a considerar sobre a forma como a indústria da pornografia funciona. Por exemplo, há vários indícios de que muitas delas envolvem exploração de atores e atrizes, além de condições de trabalho insalubres. Nesse sentido, muitos especialistas condenam a pornografia, alegando que seu consumo ajuda a alimentar uma indústria perversa.

PS2: Não é possível descartar a possibilidade de que o consumo de pornografia provoque prejuízos em aspectos importantes da vida de alguém (como trabalho e relacionamentos). Nesse caso, o cuidado psicológico obviamente deverá se voltar a essas questões.

Referências

Smaniotto, B., Le Bigot, J., & Camps, F.-D. (2022) “Pornography addiction”: Elements for discussion of a case report. Archives of Sexual Behavior, 51, 1475-1381.


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