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O que você precisa saber sobre a psicanálise antes de condená-la

Palavras-chave: psicanálise; freud; teorias psicodinâmicas; psicoterapia

Por Psicólogo Rodrigo Giannangelo | Publicado em 18 de julho de 2022


Parte do meu trabalho semanal acontece com terapeutas que estão realizando sua formação em psicanálise. Percebo que, em parte devido ao reducionismo científico que vivemos hoje, formar pessoas para atuar na clínica fundamentada na psicologia de Sigmund Freud às vezes pode ser, no mínimo… difícil.

psicanálise

Um breve contexto

Um esboço clínico daquilo que mais tarde seria conhecido como “psicanálise” foi desenvolvido por Josef Breuer, mentor de Freud, na década de 1880, em Viena.

O primeiro trabalho frutífero do novo método foi o tratamento de Bertha Pappenheim (apelidada bibliograficamente de “Anna O” – a chamada “paciente zero” da psicanálise). Freud formalizou os relatos do processo de Breuer com Pappenheim e os publicou em seu “Estudos sobre a histeria”, em 1895. Nas décadas seguintes, ele refinou a psicanálise a partir de sua própria experiência clínica, escrevendo livros e artigos sobre o processo clínico envolvido, bem como sobre suas teorias a respeito da mente humana, seu desenvolvimento, sua personalidade e as origens da psicopatologia.

Métodos clínicos concorrentes

Ao longo do século XX, a consolidação da psicanálise como método clínico enfrentou duas grandes concorrentes:

1. as teorias comportamental e cognitivo-comportamental;

2. a evolução dos psicofármacos.

Em comum, essas adversárias têm a rapidez e o foco no problema como potenciais vantagens frente às expectativas dos pacientes.

Desde então, esforços têm sido feitos para reformar a psicanálise de modo a adequá-la ao desejo do sujeito contemporâneo. Em meados do século XX, surgem novos estilos terapêuticos, que mantém sua origem ligada a aspectos da psicanálise, mas se distanciam dela em pontos fundamentais: são os casos do psicodrama, de Jacob Moreno, e da terapia psicodinâmica breve, de Otto Rank, por exemplo.

Uma boa exposição desse assunto pode ser encontrara no artigo de Jonathan Shedler (última revisão 2011) “That Was Then, This Is Now: An Introduction to Contemporary Psychodynamic Therapy”.

Para saber mais sobre a psicanálise, sugiro ESSE TEXTO.

Psicanálise e o movimento feminista

Além de métodos mais objetivos e de curto prazo, a psicanálise também atravessou momentos turbulentos em meados do século XX, com o fortalecimento do movimento feminista.

Hoje, creio que a maioria dos profissionais de saúde mental, psicanalistas ou não, veem a desatualização de conceitos freudianos como a “inveja do pênis”.

No entanto, como também me parece consensual, é importante que se compreenda Freud como um homem de seu tempo. Quando examinamos as ideias de figuras históricas, é necessário que o façamos considerando o contexto espaço-temporal como parte da própria teoria. Freud e algumas de suas teorias podem ser anacrônicos hoje, mas eram revolucionários dentro do meio burguês-judeu-vienense da Europa vitoriana do século XIX.

Psicanálise e ciência

Os ventos contrários acima provocaram efeitos indeléveis à psicanálise freudiana. Em universidades estadunidenses, por exemplo, onde o pragmatismo sublinha a importância de métodos clínicos rápidos e que vão “direto ao assunto”, Freud é estudado em programas de estudos socioculturais e artísticos, e não em disciplinas de saúde mental.

Entendo que essa perspectiva empobrece a clínica psicológica, na medida em que ignora insights significativos sobre a mente humana.

Para tomarmos apenas uma de suas muitas ideias brilhantes, podemos falar sobre a noção de Freud sobre o inconsciente. A compreensão sobre e o foco no inconsciente distinguem Freud de todos os outros clínicos, psicólogos e filósofos da mente que vieram antes, bem como daqueles que tentaram substituir a psicanálise por algo mais “objetivo” e “concreto”.

Psicanálise e abordagens comportamentalistas

De fato, entendo que abordagens comportamentais ou cognitivo-comportamentais têm maior potencial de atração sobre os estudantes de psicologia de hoje. Afinal, são mais técnicas (portanto mais fáceis de padronizar) e mais suscetíveis à pesquisa nos moldes que a academia consagra. Uma simples revisão da literatura basta para verificar que essas abordagens têm sido pesquisadas muito mais frequentemente do que a psicanálise e as teorias psicodinâmicas de modo geral.

Isso levou o ramo comportamental da psicologia a ganhar a reputação de “psicoterapia baseada em evidências”. A fama é merecida, pois funcionam bem para um extenso rol de condições psicológicas causadoras de sofrimento. Durante minha formação como psicólogo, tive um treinamento intenso em técnicas comportamentais e cognitivo-comportamentais, e muitas vezes as emprego em minha prática, quando me parece apropriado.

Usos e acertos da psicanálise

No entanto, minha experiência clínica mostra que outras abordagens, como a psicanálise e demais teorias psicodinâmicas, tendem a funcionar melhor quando a demanda do paciente é mais incerta, multifacetada ou “existencial”, como é o caso da depressão, da angústia, de disfunções sexuais sem origem biológica, de problemas de relacionamento diversos ou de comportamentos disfuncionais sem causa precisa. Nessas situações, me parece proveitoso um exame das motivações inconscientes e dos mecanismos de defesa envolvidos, bem como da dinâmica entre transferência/contratransferência, e até mesmo dos sonhos que o paciente tem ao dormir.

A dificuldade da psicanálise em se encaixar no modelo científico de base positivista muitas vezes a desvaloriza em um mundo obcecado pela objetividade. Porém, é preciso lembrar que a sociedade também está cheia de eventos que a ciência positivista tem dificuldade de explicar, como tiroteios em massa, suicídios, extremismo religioso, suscetibilidade a teorias da conspiração, entre outros. É aqui que a “arte” da psicoterapia de estilo freudiano pode ser de maior valor, e a razão pela qual Freud importa mais agora do que nunca.

Referências

Cherry, K. (2020). Freud’s Perspective on Women. Very Well Mind. Disponível em https://www.verywellmind.com/how-sigmund-freud-viewed-women-2795859. Acessado em julho de 2022.

Shedler, J. (2011/2006). That was then, this is now: Psychoanalytic psychotherapy for the rest of us. Disponível em http://jonathanshedler.com/writings/. Acessado em julho de 2022.


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