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Negligência emocional: pais “sem emoções” fazem criança solitária

Palavras-chave: negligência emocional; emoções; pais

Por Psicólogo Rodrigo Giannangelo | Publicado em 31 de agosto de 2022


Jéssica tem 10 anos e está sozinha no quarto, sentada em sua cama.

Ela já perdeu as contas de quantas vezes reviveu essa fantasia: seu pai atende a campainha, e um casal gentil explica que Jéssica foi acidentalmente enviada para a família errada ao nascer, e que foram buscá-la. Eles então a levariam para uma casa onde ela se sentiria amada e cuidada…

Jéssica não sabe, mas ainda está no começo de sua luta. Ela passará os próximos 20 anos desejando ter pais diferentes – e se sentindo culpada por isso.

Afinal, os pais dela são boas pessoas. Trabalham duro para que Jéssica tenha uma casa boa, comida, roupas e brinquedos. Ela frequenta uma boa escola, tem amigos e pratica esportes. Aos olhos de toda a comunidade, é uma criança de sorte.

Contudo, apesar de uma vida confortável, e de ter pais que a amam, aos 10 anos ela já se sente sozinha neste mundo, num aspecto muito importante.

Como pode uma criança com uma família “boa”, “estruturada”, se sentir assim?

Bem, a resposta é simples, mas o assunto é complexo:

Jéssica está sendo criada sob negligência emocional, por pais com baixa inteligência emocional.

negligência emocional

Inteligência emocional: Capacidade de identificar, avaliar e gerenciar as próprias emoções, as emoções dos outros e as dos grupos.

Negligência emocional: impossibilidade dos pais em responder de modo adequado às necessidades emocionais da criança.

Consequências da negligência emocional para os filhos

Quando você é criado nessas condições, tem boas razões para ter dificuldades:

1. Como seus pais não sabem identificar as próprias emoções, eles não têm uma linguagem emocional e não ensinam você a falar sobre emoções.

Por exemplo, em vez de dizer: “Você parece chateada, querida. Aconteceu alguma coisa na escola hoje?”, seus pais dizem: “Então, como foi a escola?”

Ou então, quando sua avó morre, sua família minimiza o fato e não fala sobre as emoções envolvidas.

Quando você leva seu primeiro ‘fora’, sua família toma um dos caminhos: nunca mais fala sobre isso, ou provocam você sem parar, não se importando com seus sentimentos.

Resultado: Você não desenvolve autoconsciência emocional. Você não aprende que seus sentimentos são importantes. Você não aprende a sentir ou expressar emoções.

2. Como seus pais não são bons em gerenciar e controlar as próprias emoções, não conseguem ensinar você a gerenciar e controlar as suas.

Por exemplo, quando você faz algo de errado na escola, seus pais não perguntam o que aconteceu ou por que você perdeu a paciência. Não explicam como você poderia ter lidado com a situação de forma diferente. Em vez disso, eles apenas castigam você, ou culpam a escola, deixando as emoções de lado.

Resultado: Você não aprende a gerenciar seus sentimentos, nem as situações difíceis que geram sentimentos.

3. Como seus pais não entendem de emoções, as palavras e o comportamento deles enviam mensagens erradas sobre você e sobre o mundo.

Por exemplo, seus pais podem tratar você como uma criança preguiçosa por não perceber que é sua ansiedade que impede de fazer as coisas.

Ou seus irmãos lhe chamam de ‘bebê’ porque você chorou depois que seu gato morreu.

Resultado: Você chega na idade adulta com ‘vozes’ em sua cabeça que repetem os rótulos que recebeu quando criança: “Você é preguiçoso”; “Você é fraco”; “Você se dói por qualquer coisa” etc.

Toda essa situação afasta você do seu verdadeiro ‘eu’ (você em sua forma completa, ou seja, emocional e racional). Você se enxerga através dos olhos de pessoas que não lhe conhecem. E tem dificuldade em lidar com situações estressantes, conflituosas, ou qualquer uma que envolva emoções intensas.

Você vivenciou negligência emocional infantil?

É tarde demais para Jéssica? É tarde demais para você? O que pode ser feito?

Felizmente, sempre há tempo, para Jéssica ou para você.

O que fazer?

É possível exercitar as emoções. Preste atenção no que você sente, quando e por quê.

Observe sentimentos e comportamento dos outros. Ouça como outras pessoas expressam suas emoções, e comece a praticar.

Pense se há alguém em sua vida atual que possa te ajudar com isso: sua esposa / seu marido, um irmão ou uma amiga. Comece expressando seus sentimentos a alguém em quem você já confia.

Concentre-se para distinguir as mensagens falsas que foram ‘plantadas’ na sua mente infantil. Quando essa ‘voz’ da infância falar, assuma posição. Perceba que hoje você não precisa dela, e que é mais forte do que ela.

Substitua essa voz pela sua própria — a voz que lhe conhece e tem compaixão pelo que você viveu: “Eu não sou preguiçoso; tenho ansiedade e estou fazendo o meu melhor para enfrentá-la”; “Eu não sou fraco por ser sensível. Ao contrário, minhas emoções me fazem mais forte”.

Como adulta, Jéssica deve parar de fantasiar uma solução mágica batendo em sua porta. Ela deve aprender essas habilidades sozinha, ou com auxílio de um trabalho psicológico.

Com sorte, ela verá que se afastou de uma parte importante de si, simplesmente porque seus pais não a conheciam ou valorizavam. Ela perceberá que tem emoções e aprenderá a ouvi-las, gerenciá-las e expressá-las.

Poderá aprender quem realmente é. E ousar ser essa pessoa.


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