Palavras-chave: sheldon cooper; tea; autismo; the big bang theory
Por Psicólogo Rodrigo Giannangelo | Publicado em 16 de dezembro de 2022
Nos últimos anos, a ciência permitiu uma considerável ampliação de nossa compreensão sobre o autismo.
Com isso, vem se tornando mais comum vermos personagens dentro do espectro autista em filmes, séries e documentários. Talvez você já tenha ouvido falar no médico Shaun Murphy, de ‘The Good Doctor’, no Sam Gardner, de ‘Atypical’, ou na Benê, de ‘Malhação: viva a diferença’.
A existência desses papéis é de grande importância para desconstruir preconceitos e conscientizar o público.
O que é autismo? A nomenclatura utilizada hoje é Transtorno do Espectro Autista (TEA), que designa um grupo de condições do neurodesenvolvimento caracterizado por algum grau de alteração do comportamento social, comunicação e linguagem, e por algum grau de limitação, estereotipia e repetição do repertório de interesses e atividades. As características do TEA aparecem na primeira infância e tendem a persistir na adolescência e na idade adulta. Pode haver comorbidades, como depressão, ansiedade e transtorno do déficit de atenção / hiperatividade. O nível intelectual varia muito de um caso para outro, variando de deterioração profunda a casos com altas habilidades cognitivas.
O seriado ‘The Big Bang Theory’ se consagrou como uma das séries de comédia de maior sucesso nos EUA.
Desde o primeiro episódio, lançado em 2007, e durante 12 temporadas, a série acompanhou a vida de quatro amigos “nerds” e cientistas, e de uma garçonete que sonha em ser atriz. Com o passar do tempo, o doutor Sheldon Cooper, físico teórico vivido pelo ator Jim Parsons, socialmente desajeitado, obcecado por rotina, de intelecto genial e com uma variedade de peculiaridades, se tornou um dos maiores responsáveis pelo sucesso duradouro da série. Grande parte do humor de TBBT depende de Sheldon, seus interesses especializados, sua franqueza e sua necessidade constante de treinamento sobre os comportamentos sociais apropriados
Mesmo sendo extremamente inteligente, Sheldon Cooper tem dificuldade de lidar com situações simples do cotidiano, como entender ironias, pedir uma refeição ou se conformar com o cancelamento de uma série de TV. Além disso, tem rotinas rígidas e comportamentos repetitivos que, às vezes, incomodam quem está ao seu redor.
O que há com Sheldon Cooper?
“Eu não sou louco; minha mãe me testou”
Sheldon Cooper
A frase acima é dita por Sheldon como resposta à irritação com que seus amigos reagem a seu jeito – digamos – peculiar de ser.
Sheldon Cooper não tem filtros e é capaz de vários “sincericídios”, seja ao falar sobre sua superioridade intelectual, seja ao criticar hábitos e valores das pessoas ao seu redor. Seu cotidiano é cheio de regras inegociáveis – horário para usar o banheiro, dias determinados para consumir certos alimentos, lugar reservado no sofá etc.
Mas ele também tem outras características que chamam a atenção:
- Raramente compreende piadas que envolvem ironia, sarcasmo ou linguagem não direta;
- Não gosta de contato físico;
- Evita situações sociais que envolvam lugares ou pessoas desconhecidos;
- Tem interesse atipicamente intenso em relação a poucos assuntos, como cultura geek, física de partículas, bandeiras e ferromodelismo.
Para muitos profissionais, esses traços podem ser indícios de TEA.
De fato, essas dificuldades são características de uma condição tradicionalmente conhecida como Síndrome de Asperger. Porém, em 2022, a nova versão do CID – Classificação Internacional de Doenças (codificação internacional da Organização Mundial da Saúde) incluiu todos esses sintomas no TEA, passando a figurar como “autismo nível 1” ou “autismo leve” com altas habilidades intelectuais.
As relações de Sheldon com Leonard, seu colega de quarto, com Penny, sua amiga e vizinha, e com Amy, sua namorada, revelam suas dificuldades de interação social, comunicação verbal e não verbal, hiperfoco e comportamento restrito e repetitivo (quem não lembra do “Toc, Toc, Toc, Penny”…) e são sinais de autismo.
Os criadores do programa disseram que Sheldon não é especificamente autista. Alguns ativistas da causa, inclusive, chegaram a criticar TBBT por estereotipar o comportamento autista.
No entanto, a evidência é esmagadora de que ele é um simulacro de traços autistas. Na verdade, é possível que o dr. Sheldon Cooper tenha demonstrado praticamente todos os traços autistas, dos mais comuns aos mais raros – que o espectador médio pode não “pegar”.
Outras características de TEA do Dr. Sheldon Copper
Rotinas estritas e inflexíveis
Indivíduos com essa forma mais branda de autismo tendem a manter rotinas diárias extremamente estritas e inflexíveis. Sheldon tem uma agenda que mostra qual alimento consumir no café da manhã a cada dia da semana. Certa manhã, ele acorda e percebe que Penny (que se tornara namorada de Leonard) fizera panquecas. Pelo aspecto e pelo cheiro, ele deduz que estão deliciosas. Mas aquele dia era de mingau de aveia. Sheldon lamenta… e joga as panquecas no lixo.
Comunicação não verbal
Pessoas com o antigo “Asperger” também têm dificuldade com a comunicação não verbal. Ou seja, podem não compreender pistas visuais, como uma piscada, expressões faciais ou alguns gestos. Os fãs de TBBT que acompanharam a participação de Penny no “Fun with flags” (“Diversão com bandeiras”) viram o esforço da aspirante a atriz em ensinar ao dr. Cooper uma linguagem corporal que o mostre mais receptivo aos espectadores. O resultado é desastroso, e o roteiro se vale do efeito cômico da situação.
Sheldon também tem dificuldade para emitir sorrisos “sociais”. O episódio em que ele treina sorrisos para ser agradável com o amigo Raj é memorável. Pois bem, muitos autistas têm dificuldade para sorrir em situações forçadas, como na frente da câmera (ou, como Sheldon, na tentativa de se tornar querido).

Comunicação verbal
A comunicação verbal é assimilada de maneira literal, o que traz problemas com ironias ou situações de sentido figurado. Por exemplo, Sheldon fica irritado quando Zac, um namorado “pouco inteligente” de Penny diz: “Eu não vou a uma loja de quadrinhos LITERALMENTE há milhões de anos…”.
Dificuldade de empatia
Quando uma pessoa está sofrendo emocionalmente, Sheldon prepara para ela uma xícara de chá. Isso não vem da empatia que ele sente pela situação, mas do fato de que sua mãe o ensinou que sempre se oferece uma bebida quente a quem está triste. Ou seja, sua resposta afetiva é estereotipada, mecânica.
Em alguns momentos da série, a dificuldade de empatia de Sheldon é interpretada como indiferença emocional. Com o desenvolvimento da história, porém, o roteiro nos leva a conhecer o dr. Cooper mais intimamente, e sua afeição genuína pelas pessoas consideradas importantes no seu cotidiano fica clara.
Sinestesia
Como apontei acima, TBBT traz em Sheldon alguns sinais raros de autismo, que devem ter passado despercebidos pelo grande público. A sinestesia é um deles.
Sinestesia é o fenômeno em que um sentido é percebido em termos de outro. Por exemplo, ouvir cores, cheirar sons etc. A cena abaixo ilustra esse fato:
“Sheldon: Sabe quando você olha pra números primos e eles são vermelhos, mas quando são números primos gêmeos* eles são rosa e têm cheiro de gasolina?
Raj: Não…
Sheldon: ah… bem, acho que eu sou um garoto especial. Você sabe, quando um garoto é especial, ele ganha um pirulito – que, a propósito, tem gosto de velocidade da luz”.
* Números primos gêmeos, em teoria dos números, são dois números primos cuja diferença é igual a dois.
Sheldon Cooper ao longo das temporadas
Por mais irritante que Sheldon possa ser, é perceptível uma grande mudança em seu personagem ao longo das temporadas – ele se torna mais consciente dos outros, entende melhor o humor, aceita mais confortavelmente o toque (até consegue uma namorada, que se torna sua esposa no final da história).
O desenvolvimento do personagem é particularmente comovente pois mostra como, apesar das dificuldades associadas ao autismo, tempo, esforço e paciência podem melhorar a qualidade de vida da pessoa autista.
Assim, embora o personagem de Sheldon possa ser exagerado e impreciso em relação aos comportamentos autistas, seu destaque em um programa de TV é importante para ajudar a normalizar a experiência autista e ver o lado mais leve das coisas.
Como detectar o TEA
Os primeiros sintomas do TEA podem ser notados já na primeira infância. Algumas das características mais facilmente identificáveis pelos pais e cuidadores são:
- Retração e baixo nível de interação social;
- Atraso na aquisição da fala;
- Gestos repetitivos e estereotipados;
- Interesse desproporcional por objetos inanimados.
Nenhuma dessas características é indicativa de TEA por si só. O diagnóstico é feito por meio de avaliação multidisciplinar, que envolve profissionais como psicólogo, neurologista, fonoaudiólogo.
Psicoterapia e desenvolvimento no TEA
Várias dificuldades provocadas pelo TEA podem ser atenuadas quando a criança é acompanhada e estimulada desde cedo.
Além de ajudar no desenvolvimento da criança e prepará-la para lidar sua neurodivergência, a terapêutica também prepara os pais e os orienta para saber como agir em casa diante de cada situação.
O foco do acompanhamento é baseado nas necessidades de cada paciente, seja na infância, adolescência ou na fase adulta.
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