Palavras-chave: trauma de apego; apego inseguro; trauma de infância; trauma bonding
Por Psicólogo Rodrigo Giannangelo | Publicado em 26 de dezembro de 2022
Nos EUA, 1 em cada 7 crianças vivencia algum tipo de trauma ou negligência emocional. Isso significa que se houver 10 pessoas em uma sala, uma delas provavelmente carrega a sombra de uma infância psicologicamente difícil.
Tamanha dor traz consigo estragos para a vida posterior, especialmente no que diz respeito às conexões interpessoais. A partir do que acontece em nossa infância, deduzimos como o mundo funciona, e levamos essas regras de funcionamento pela vida afora. Por isso, nossas primeiras relações – com nossos cuidadores primários, pais, irmãos, avós, tios ou substitutos – são tão importantes.
Em princípio, aprender como as coisas funcionam no mundo deveria nos levar a viver melhor, de modo mais adaptado. Porém, quando sua infância é envolvida por dor psicológica, você aprende que as relações humanas são perigosas, e passa a lidar com elas amedrontado e ansioso.
Com seus primeiros laços, você aprendeu a confiar ou a temer?
Pais que estão seguros de si mesmos e de seu propósito criam filhos que acreditam na possibilidade de serem amados por outras pessoas. Crianças negligenciadas ou descuidadas emocionalmente tendem a não acreditar.

O pesadelo do trauma de apego
Sabemos que todo trauma é uma experiência emocional que marca profundamente.
O trauma de apego se instala na vida da criança que é constantemente impedida de satisfazer suas necessidades emocionais.
Se, por um lado, é verdade que todo cuidador primário está sujeito a cometer erros com seus filhos, o pai negligente ou tóxico nega consistentemente a seus filhos amor, afeto, validação, limites saudáveis e/ou apoio. Ou impõe condições, isto é, torna sua entrega afetiva dependente de certos comportamentos ou atitudes da criança. Com isso, a menina ou o menino aprende que seu suprimento afetivo está sujeito a uma espécie de “prestação de serviço”, em que ela/ele supre as necessidades do outro e recebe em troca afeto.
Pense nisso como um acidente de carro.
Todo mundo que anda de carro passa por alguns solavancos, talvez até alguma colisão de gravidade mediana. Um único acidente de carro pode não ser suficiente para que você passe a ter medo de andar de carro, mas se você sofrer 20 acidentes vai ter medo até do barulho do motor…
O trauma de apego se baseia na internalização de aprendizados ruins: “eu não sou bom o suficiente”; “eu não sou amável”; “minhas necessidades não são importantes”; “quanto menos eu aparecer, mais seguro estarei”. Desses aprendizados originais, podem vir outros, como “não sei quem sou” ou “não sei do que eu gosto”.
Essas crenças se tornam emoções, que se transformam em padrões de comportamento e escolhas de vida. A criança com trauma de apego se torna um adulto cujos relacionamentos são marcados por insegurança, ciúme, medo e outras características disfuncionais.
O trauma de apego gera reflexos na vida adulta
Nós, humanos, somos inerentemente sociais. Florescemos quando construímos relações profundas e de confiança com pessoas que compartilham perspectivas de vida e valores semelhantes conosco. No entanto, essas conexões exigem abertura, uma aceitação da vulnerabilidade de se dispor desarmado diante do outro.
Isso é difícil para o adulto com trauma de apego. Como confiar em amigos, familiares ou colegas de trabalho, quando as pessoas falharam com você desde sempre?
O trauma de apego também gera em seus sobreviventes uma baixa autoestima e um senso de identidade prejudicado. Essa pode ser a origem de relacionamentos conflituosos, de curta duração e superficiais, que fracassam assim que as coisas ficam sérias ou tão logo passem por qualquer pequeno problema.
O trauma de apego prejudica sua própria identidade
Quando somos pequenos, exploramos os laços com nossos pais e com o ambiente. Testamos essas conexões e os limites que elas nos impõem. Quando os cuidadores estão emocionalmente estáveis, isso é feito com cuidado. Quando não estão, a criança é envergonhada ou punida por explorar esses limites.
Não são apenas as relações que são prejudicadas pelo trauma de apego. O senso de identidade também é danificado no processo. A criança que não consegue viver o apego saudável não conseguirá explorar plenamente seu próprio ser.
Descobrimos quem somos, quais são nossas necessidades e como atendê-las nas interações da infância. Se nossos cuidadores não nos ajudam a revelar e expressar essas necessidades com segurança, internalizamos a ideia de que elas não valem tanto a pena.
Essa falta de identidade influencia muito na vida adulta. Se você não conhece / explora suas necessidades e seus desejos, não aprende a fazer boas escolhas.
O trauma de apego leva a procurar nos lugares errados
Orientar-se em função do trauma de apego leva a muitos becos sem saída.
Por quê? Porque é o senso de identidade que guia as escolhas, como um farol.
Por isso, muitas pessoas procuram conexão humana e pertencimento quase compulsivamente. Perdem tempo investindo energia (e emoção) em pessoas, lugares e coisas que só desgastam.
O amor ligado ao trauma
As feridas mais profundas do trauma de apego acontecem no âmbito amoroso. Afinal, como deixar alguém conhecer suas partes mais íntimas e secretas quando essas partes não eram boas o suficiente para seus pais?
Relacionamentos com pessoas que são distantes e negligentes, como eram seus cuidadores primários, aprisionam em um ciclo de relacionamentos românticos que repetem seu trauma inicial.
A criança que foi negligenciada pode escolher parceiros que não se comprometem ou que a mantém à distância. Também pode escolher agressores, que reafirmam as crenças negativas que têm sobre seus corpos e seu valor.
Você foi vítima do trauma de apego?
Você sobreviveu a uma infância em que não recebeu amor, atenção, carinho e validação?
Sua experiência é genuína, mas não precisa significar a impossibilidade de amor seguro, autoconhecimento e paz.
Seu caminho de cura depende de um compromisso com a autorrenovação.
Tudo começa conseguindo a ajuda de que você precisa. E que merece.
Referência
Erkoreka, L., et al. (2021). Ansiedade de apego como mediador da relação entre trauma na infância e disfunção de personalidade no transtorno de personalidade limítrofe. Psicologia clínica e psicoterapia, 6, 501-511.
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