Palavras-chave: humor; limite do humor; polêmica
Por Psicólogo Rodrigo Giannangelo | Publicado em 07 de junho de 2023
Por definição, coisas engraçadas são subversivas.
Freud dedicou ao tema um texto grande (“Os chistes e sua relação com o inconsciente”, de 1905), relacionando o humor à realização de desejos interditados, de natureza inconsciente. Mark Twain certa vez disse que “não há humor no Paraíso”. O estadunidense Dave Chappelle, respondendo a uma polêmica aparição televisiva, disse que não é trabalho do comediante reforçar o status quo, mas desafiá-lo.

O humor implica a quebra de algum valor – um absurdo, um equívoco, uma brincadeira com a linguagem (trocadilho, ironia etc.). O humor sinaliza o reconhecimento de um valor e, ao mesmo tempo, propõe sua revogação.
No entanto, há regras sociais tão fortes que violá-las, mesmo no humor, é polêmico.
Brincar com religião ou etnia de outra pessoa costuma desafiar esse limite. Porém, contar uma piada sobre a própria identidade social é mais facilmente aceito.
Uma piada sobre pessoa ou grupo vulnerável feita por alguém “de fora” é ameaçadora porque, ao mesmo tempo que viola a regra social, também sinaliza que há legitimidade em violá-la.
Pode ser engraçado ver um atleta escorregar em uma casca de banana; não é engraçado ver uma pessoa cega escorregar em uma.
Quebrar regras sociais ou lexicais de forma inesperada é a base do humor. Mas essa ‘quebra’ é de um tipo específico: o humor rompe com o estabelecido ridicularizando, ou seja, retirando dele algo de bom – status, porte, nobreza, habilidade etc. Assim, desnudando
Essa indignidade a que o humor expõe está fadada a ofender. Alguém sempre achará vulgar, profano, desrespeitoso. Por isso, a comédia tem como missão deixar o público desconfortável. Até certo ponto.
Limite do humor?
Um estudo examinou dois fatores que influenciam o humor: o grau de violação (grave ou branda) e a distância percebida do estímulo (longe vs. perto). As violações sociais graves são mais engraçadas quando temporal, social, hipotética ou espacialmente distantes, enquanto as violações brandas são mais engraçadas quando psicologicamente próximas.
Ou seja, quanto mais distante de uma tragédia, mais fácil é fazer piada a respeito.
Aí está uma boa questão a refletir. Essa “distância” é relativa.
Algumas dores e consequências de certos dramas humanos são mais perenes que outras.
Por exemplo, a escravidão dos povos africanos foi abolida no Brasil há mais de um século. Mas será que suas agruras já se diluíram, a ponto de sua ridicularização ser engraçada?
Por outro lado, como já ressaltava o dramaturgo (e comediante) Aristófanes, no século V a.C., o humor é uma arte. E será que a arte deve ter limite?
Se um ator que faz o papel de um assassino não comete crime de homicídio, será que o personagem de uma piada, seu autor e/ou intérprete são capazes de cometer crime?
De fato, estamos diante de uma questão limítrofe: entre o respeito à dor alheia, o desafio aos costumes e o rigor da lei, muito ainda há para ser debatido.
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