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O diagnóstico da depressão é superestimado?

Palavras-chave: diagnóstico da depressão; depressão; diagnóstico; sintomas de depressão

Por Psicólogo Rodrigo Giannangelo | Publicado em 12 de junho de 2023


Os valores para prevalência de depressão (a chance de uma pessoa desenvolver depressão ao longo da vida) variam de acordo com os critérios usados para definir “depressão”. Isto é, depende de onde traçamos a linha entre normalidade e transtorno.

Seguindo os critérios da classificação internacional de transtornos mentais (DSM-5), esse número seria de 20% – o que é muito alto para um transtorno psicológico.

Nos EUA, os custos do tratamento da depressão excedem o de doenças como hipertensão e diabetes, somadas. A venda de medicamentos só aumenta. De acordo com o NHS Digital, cerca de 8,32 milhões de estadunidenses utilizaram antidepressivos entre 2021/2022 – 18% da população adulta.

diagnóstico da depressão

Dificuldade no diagnóstico da depressão

Se alguém é suspeito de ter Covid-19, uma amostra de sangue pode ser colhida para procurar o vírus causador da Covid-19. Se alguém parece ter sofrido um AVC, um escaneamento cerebral pode ser feito para procurar o dano.

No entanto, ao contrário do AVC, da Covid e da maioria das condições físicas, a depressão não pode ser definida e diagnosticada de acordo com sua causa (etiologia) ou efeito (patologia), mas apenas de acordo com seus sintomas ou manifestações.

Na prática, isso significa que não é possível traçar um diagnóstico da depressão por qualquer critério objetivo / mensurável, como um exame de sangue ou uma tomografia cerebral. Apenas a interpretação (subjetiva) da natureza e gravidade dos sintomas relatados pelo paciente pode ser utilizada. Se alguns desses sintomas coincidem com os critérios diagnósticos para depressão, então é feito o diagnóstico de depressão.

O problema é que a definição de “depressão” é circular: a depressão é definida de acordo com seus sintomas, que são, por sua vez, definidos de acordo com o conceito de depressão.

Por essa razão, não podemos ter certeza de que o conceito de depressão mapeia uma entidade distinta de doença. Um diagnóstico de depressão pode se aplicar desde quadros leves até a psicose depressiva e a catatonia, e se sobrepor a vários outros construtos, incluindo transtornos de personalidade.

Quando o diagnóstico perde a utilidade

Uma consequência incômoda dessa abordagem de “menu de sintomas” é que duas pessoas sem nenhum sintoma em comum podem acabar com o mesmo diagnóstico. De fato, um artigo recente na revista The Lancet sugeriu que existem até 10.377 maneiras únicas de se qualificar alguém para um diagnóstico de depressão.

Por essa razão, o diagnóstico da “depressão” pode ser um “saco de gatos” socialmente construído para várias formas de sofrimento humano – que, ao ser rotulado como transtorno, passa a ser tratado com uma simples prescrição médica.

A sociedade se apropria dessa ideia quando usa termos como “depressão”, “deprimido” e outros afins para se referir a situações de decepção ou tristeza. Por exemplo, “Maria errou a receita do bolo e está deprimida”. Tempos atrás, diríamos simplesmente que Maria ficou chateada…

Essa generalização pode impedir de identificar e abordar problemas importantes (psicológicos ou não) que estão na raiz de nossa angústia, e nos afastar de uma solução mais completa e duradoura.

Se seu joelho está doendo, você pode tomar um analgésico ou fazer fisioterapia: para tomar o analgésico, basta um copo d’água; a fisioterapia requer tempo, esforço e pode doer. Mas só uma das opções devolve seu joelho funcional e mais forte.

Referências

Fried EI et al. (2020): The 341 737 ways of qualifying for the melancholic specifier. Lancet 7(6):479-480.


⚠️ Atenção: Este site não oferece tratamento ou aconselhamento imediato para pessoas em crise suicida. Você pode procurar o CVV (Centro de Valorização da Vida) ligando 188 ou acessando http://www.cvv.org.br (24 horas por dia, inclusive feriados). Ou procure um Caps (Centro de Atenção Psicossocial) da sua região. Em caso de emergência, procure atendimento em um hospital mais próximo.


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