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6 razões por que neurotípicos têm dificuldade de aceitar pessoas autistas

Palavras-chave: pessoas autistas; autismo; tea; neurodivergente; neurotípico

Por Psicólogo Rodrigo Giannangelo | Publicado em 10 de agosto de 2023

Revisado por Glauco de Vita (@glaucodevita)


Para um neurotípico, falar sobre autismo é sempre um desafio.

Primeiro, porque o autismo não é uma doença. O TEA (Transtorno do Espectro Autista) é uma condição fruto de um desenvolvimento neurológico atípico – ou seja, diferente do que foi estabelecido socialmente como modelo. Resultam dessa neurodivergência modos de ser e estar no mundo diferentes da “norma”, mas tão legítimos como ela. Essa é uma compreensão importante e desafiadora. Ainda nos falta repertório linguístico para abordar questões limítrofes entre o “normal” e o “patológico”.

Segundo porque, cada vez mais, as pessoas autistas têm voz, individual ou coletivamente organizadas. São capazes de expressar sua condição e suas vivências. Nesse sentido, a participação neurotípica nessa discussão tem o potencial de trazer distorções e “competir” indevidamente com narrativas subjetivas.

No entanto, há um aspecto sobre o qual é possível falar.

Por que o autismo incomoda tanto a nós, pessoas chamadas neurotípicas?

Em resumo, defendo que essa reação mostra mais sobre nós mesmos do que sobre eles. Mas enfim, essa é a lista (e vale dizer que nenhum dos itens têm a ver com “déficits”).

1. Pessoas autistas se comunicam de um jeito que faz sentido – e não queremos admitir

Aqui me refiro à dificuldade neurotípica de comunicar as coisas diretamente.

Ocultamos de nossa fala cotidiana algumas informações que não nos convém, enquanto outras apenas “damos a entender”, ou seja, fornecemos pistas para que o outro deduza por si mesmo nossa intenção.

Por exemplo, você fica chateado com algo que seu parceiro fez. Em vez de dizer diretamente, você apenas “fecha a cara” e espera que ele perceba.

Uma pessoa autista pode “cobrar” essas informações faltantes para garantir seu entendimento. Isso irrita a pessoa neurotípica, justamente porque revela seu truque comunicacional.

2. Pessoas autistas não nos colocam no centro do seu Universo – e isso fere nossos egos

A pessoa autista dificilmente irá colocar a socialização em primeiro lugar.

Ela não vai olhar nos seus olhos e fazer você sentir que é a única coisa que existe para ela. Há coisas mais interessantes para prestar atenção, como um cãozinho passeando, ou a cor dos sapatos de outra pessoa do outro lado da rua.

Ou coisas que ela nem quer prestar atenção, mas não consegue evitar, como um quadro que está pendurado torto ou o brilho muito forte do sol.

Ou coisas que ela prefere chegar logo em casa e fazer sozinha (como pesquisar, ler, assistir, jogar), muito mais interessantes que qualquer compromisso.

Para um neurotípico, pode parecer desinteresse ou falta de amor.

3. O “neurotípico” pode ser uma pessoa autista em negação

É impossível precisar a prevalência desse item, mas a quantidade de diagnósticos tardios realizados hoje nos permite levantá-lo como hipótese provável. Ainda há por aí muitas pessoas autistas sem diagnóstico, de todas as idades.

Algumas delas podem reagir negativamente ao comportamento do autista devido à tendência (há muito descrita pelas teorias psicodinâmicas) de invalidar no outro aquilo que não se quer aceitar em si mesmo. Podem se achar “melhores” do que os autistas, a quem veem como “perdedores”. Do ponto de vista psíquico, quanto mais veemente a negação, mais ela insinua a verdade do que nega.

Como o autismo ainda é largamente patologizado, até pela forma imprecisa como é retratado socialmente, essas pessoas não suportam a ideia de que se encaixam na mesma condição e que pode haver “algo errado” com elas.

4. Não temos um forte senso de nossa própria identidade

Sentimo-nos ameaçados por identidades minoritárias porque não sabemos quem somos.

A multidão de iguais nos garante uma validação externa para que nossa mediocridade não nos assuste, e a neurodivergência denuncia essa farsa.

Precisamos de uma divisão que separe a diversidade e a trate como “louca”, estranha, antissocial.

5. Só nós sabemos o esforço de manter as aparências

Para muitos de nós, autistas ou não, a vida não é tão divertida. Mas precisamos continuar fazendo a mesma coisa todos os dias, porque não vemos alternativa.

Muitos neurotípicos acham que todos deveriam suportar as coisas da mesma forma e ser igualmente infelizes. Nesse sentido, é conveniente enxergar o divergente como fraco ou preguiçoso.

Para alguém que coloca no rosto um sorriso falso e continua fingindo que está tudo bem, perceber que outras pessoas expressam suas dificuldades parece injusto. É como se a pessoa autista estivesse “roubando” no jogo ao denunciar a precariedade de suas regras. O neurotípico fica enciumado, porque não consegue admitir. Seu recurso é traduzir esse ciúme em acusações, como a de que os autistas usam seu autismo “como desculpa”.

6. Finalmente, o capacitismo

Em linhas gerais, o capacitismo é a discriminação da pessoa com deficiência pautada na construção social de um indivíduo padrão, denominado “normal”, e na subestimação das capacidades de pessoas em virtude de suas deficiências.

A sociedade capitalista e individualista vê (equivocadamente) a pessoa com deficiência como alguém limitado em sua possibilidade de produzir e consumir. Isso a torna indesejável e sem sentido – um peso a ser carregado pelos sistemas produtivo e de saúde, por exemplo.

Obviamente não se trata de uma competição, mas se tomarmos como comparação outras formas de discriminação, como o racismo ou a homofobia, é fácil perceber que o capacitismo não está igualmente presente no discurso público.

É raro ver a defesa das vidas e do orgulho autista, exceto pelas vozes das próprias pessoas autistas e de instituições de assistência, geralmente lideradas por pessoas neurotípicas.

Pessoas autistas ocupam diversos espaços online, mas principalmente falando uns com os outros, em uma espécie de câmara de eco. É incipiente a pressão pública para a conscientização e aceitação do autismo.

Falar abertamente sobre o autismo ainda é tabu e deixa muitas pessoas desconfortáveis. Mas já passou da hora de admitirmos sua necessidade.

pessoas autistas

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