Palavras-chave: depressão; contagiosa; psicopatologia
Por Psicólogo Rodrigo Giannangelo | Publicado em 28 de agosto de 2023
Maria (nome fictício) chegou a mim se sentindo profundamente deprimida. Tinha consulta agendada com um psiquiatra para a semana seguinte.
Contou que não sentia mais motivação pra nada, mas minhas perguntas conduziam a respostas inesperadas.
Estava no 3° semestre de uma graduação de que gostava, em área que sempre sonhou. Tinha bons amigos. Estava em dia com todas as obrigações do curso.
Mas havia uma história curiosa.
Maria era filha única de pais que depositavam altas expectativas sobre ela, que nunca precisou de muito esforço para atendê-las. Mas no ano anterior, em meio à pressão de provas e outras novidades da vida universitária, muitos de seus colegas tiveram dificuldade para se manter bem. Certo dia, o amigo mais próximo de Maria tomou, intencionalmente, uma gigantesca quantidade de comprimidos e provocou em si mesmo uma overdose. Pouco tempo depois, outro rapaz de seu grupo de contatos tentou se enforcar – felizmente, ambos foram encontrados a tempo.
Maria não tinha grandes preocupações à época, mas, como descreveu, “entrou no clima”. De repente, se viu questionando o sentido de tudo. Mais tarde, descobrimos ainda que, quando Maria era criança, uma tia se matara pulando de uma ponte, e um primo havia se enforcado.
Pode parecer estranho, mas…
Muitas pesquisas indicaram que a depressão pode ser contagiosa. Em uma revisão de estudos publicada em 2022, Lisiê Paz e colegas escreveram que “Emotions can spread like an infectious disease across social networks” (“As emoções podem se espalhar como doença infecciosa pelas redes sociais”, em tradução livre), ou seja, a probabilidade de alguém ficar triste aumenta quando há outras pessoas na mesma condição por perto.
De fato, a rede social pode ser uma importante fonte de emoções, positivas e negativas. Além disso, o contágio emocional parece ocorrer principalmente entre familiares, parceiros, amigos próximos ou colegas de trabalho que têm laços fortes e contato frequente.
Conforme o estudo estadunidense, condições como depressão e ansiedade, e características como solidão, também se alastram da mesma forma. Colegas de quarto de estudantes universitários deprimidos vivenciaram mais sintomas depressivos após três semanas de convivência.
Os autores sugerem que a causa é neurocognitiva, baseada em nossa tendência ao mimetismo daqueles de quem estamos próximos – algo saudável para a criança e seu desenvolvimento social, mas disfuncional em outros momentos.
Mais evidências sobre depressão e contágio
Outros pesquisadores descobriram que estudantes universitários aleatoriamente designados a residir com um colega de quarto com alto nível de vulnerabilidade a problemas psicológicos estavam propensos a desenvolver o mesmo estilo de pensamentos do colega. E, ao fazê-lo, vivenciavam sintomas depressivos significativamente mais intensos do que outros alunos.
Enquanto isso, pesquisadores dinamarqueses mostraram que pessoas cujos parceiros amorosos usavam antidepressivos tinham 62% de chance de passar a usar antidepressivos. A probabilidade de desenvolver depressão vivendo com um cônjuge deprimido se compara à de desenvolver depressão vivendo com um cônjuge com demência.
A depressão de João
Lembro-me de ter sido procurado por João (nome fictício), cujo filho estava em depressão profunda e se recusava a procurar ajuda. O próprio João tivera uma depressão severa 10 anos antes. Doía ver o filho no mesmo estado de desespero, mas se sentia impotente para ajudá-lo.
João também temia voltar à depressão e queria conselhos sobre como ficar fora dela.
Pudemos trabalhar em maneiras de ele se distanciar da depressão enquanto ainda tinha empatia com seu filho:
- Evitar a tendência depressiva de recorrer à autoculpabilização
- Certificar-se de que ele mantivesse seu autocuidado
- Tomar as medidas práticas efetivas que pudessem ajudar seu filho
- Aproveitar as chances de encorajá-lo em seus pequenos sucessos
Essa abordagem, associada a outros instrumentos terapêuticos, ajudaram muito João.
Se você se identificar, não deixe de procurar ajuda profissional.
Referências úteis
Paz, L V, Viola, T W et al (2022). Contagious depression: automatic mimicry and the mirror neuron system – a review. Neuroscience & Biobehavioral Reviews.
Haeffel, G J and Hames, J L (2014). Cognitive vulnerability to depression can be contagious. Clinical Psychological Science, 2, 1, 75–85.
Benazon, N R and Coyne J C (2000). Living with a depressed spouse. Journal of Family Psychology, 14, 71–9.
Kiuru, N, Burk, W J, et al (2021). Is depression contagious? A test of alternative peer socialization mechanisms of depressive symptoms in adolescent peer networks. Journal of Adolescent Health, 50, 3, 250–5.

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